O dia foi muito
sociável hoje, talvez o mais sociável da minha vida patética. Conversei com
muitas pessoas, umas mais do que outras, algumas me acharam esquisito, outras
gostaram de mim. Na verdade fiquei surpreso por algumas não me acharem esquisito.
Uma das
pessoas com quem gostei de conversar foi Martha. Ela é a cozinheira ‘chefe’ por
aqui. Tem por volta de 60 anos e é muito inteligente. Trabalhava em uma confeitaria
antes de tudo isso começar. Contou-me que estava na cidade de passagem,
visitando uma amiga que não via há tempos e teve de deixar seu marido e filho em
casa. Agora está aqui, sem saber deles, torcendo para que não tenha acontecido
nada, assim como outros estão. Disse que com toda a correria do dia em que souberam o
que estava acontecendo, sua amiga foi pega por um estranho qualquer na rua, que
a devorou ali mesmo. Deve ter sido uma cena tremendamente brutal. E apesar de
toda tristeza de Martha, ela sempre traz um sorriso no rosto e gestos
amigáveis. Queria saber como fazer isso. Foi ela quem me ofereceu o primeiro
prato de comida quando cheguei aqui. Ela é amigável e querida por todos aqui, e
não posso discordar de ninguém, somente de Peter que é paranóico e acha que ela
está infiltrada aqui. Infiltrada para fazer o que? Me pergunto. Enfim, me disseram
que ele é pirado e não devo me importar. Mas, se ele é meio louco, pode
ser um grande problema aqui.
Tive a
oportunidade de conhecer Doug, o carinha da besta. É um sujeito focado. Tem 32
anos e trabalhava na loja do pai. Ele conhece bastante sobre armas e sabe se
cuidar sozinho, embora se culpe muito pela morte de seu pai. Ele tem um ódio mortal
por essas criaturas, um ódio de verdade. Disse que seu pai estava fechando a
loja quando uma dessas coisas entrou e agarrou o braço dele, cravou suas unhas
e o mordeu. Foi tudo rápido e quando Doug saltou do balcão para ajudá-lo já era
tarde demais. Se ele não tivesse o matado naquela hora, teria assistido seu pai
ser mastigado na sua frente. Que bela merda. Doug parece ter gostado de mim,
embora eu tenha ficado com um pouco de medo dele.
Conheci
também o “comandante” deles, Marko. Homem forte, determinado, meticuloso e
calculista. Ele estava com sua tropa ajudando no combate dos zumbis quando se
viu com menos da metade de sua equipe ainda viva, tendo que recuar para se
salvar. Acharam esta fábrica e trouxeram o máximo de pessoas que conseguiram na
hora para cá, fecharam-se aqui e se esconderam por um dia, para não atrair a atenção.
Marko não tem família, assim como eu, sendo este o motivo de querer servir ao
exército. Seu pai era militar e sempre quis que seu filho seguisse seus passos
servindo à pátria. E Marko está fazendo isso bem até demais.
Pensei em
falar com Pablo, mas me disseram que não era uma boa ideia. Ele é esquentado,
fala merda e está puto com essa situação toda, e ninguém sabe ao certo quem é
ele, só que é perigoso. Vejo aí alguém que pode causar problemas.
Conversei um
pouco com Danni e Anna, irmãos, perderam os pais em um acidente de avião quando
estavam vindo para cá. Com tanta loucura e pressão nos pilotos quando os
aeroportos ficaram lotados no início disso tudo, não me admira que alguns voos
tenham caído mesmo.
As crianças
daqui são legais, não sei bem o que dizer porque sempre fico constrangido com
crianças, mas elas são muito inocentes, não sabem que o mundo está ferrado.
Conheci também
Chrissy, ela sim tem um estilo macabro. Gostei dela. Não é uma garota mesquinha
e cheia de manias. Tem 24 anos, cabelo curto, tem umas tatuagens, usa uma calça
rasgada, um All Star preto, óculos escuros, uma jaqueta preta e tem uma arma pendurada
nas costas. É o Blade versão feminina. Deve ser mais corajosa do que eu. Tem
que ser, depois de tudo que passou. Contou-me que sua infância foi marcada por
uma família que não dava a mínima para ela e prometeu para si mesma que quando
crescesse não deixaria isso acontecer de novo. Se envolveu com drogas e foi
presa, passou 2 anos lá, sentindo na pele tudo que uma cadeia pode oferecer,
humilhação, várias brigas e ameaças de morte. Saiu poucos dias antes de tudo isso
começar. Apesar disso ela é uma garota com os pensamentos no lugar, é
articulosa e implacável.
Depois de algumas
histórias, volto a dizer, é bom não ter a família nessas horas, tudo que eu
teria seria preocupação e sofrimento se os perdesse. Assim pelo menos já
superei suas mortes.
Parece que estão fazendo um churrasco ou algo do tipo. Fizeram uma pequena fogueira e estão sentando em círculo. É bom ter algum momento de descontração em meio a tudo isso. Vou me juntar a eles e aproveitar enquanto ainda tem carne para comer. Sem ser a nossa.
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